Odebrecht, políticos e economia
Por Fabrício Augusto de Oliveira
A delação premiada da Odebrecht revela um país doente, contaminado pelo vírus da imoralidade e da falta de ética. No mundo dos políticos, praticamente ninguém se salva, nem mesmo os que ainda há pouco tempo pousavam de vestais, de “santos” comprometidos com a criação de condições para a melhoria do povo brasileiro. Estavam, na verdade, enchendo o próprio bolso nos cofres da Odebrecht, aumentando seu patrimônio e resolvendo seus problemas particulares, bem como de familiares e amigos. E isso com o apoio cego de uma parte dos que se dizem de “esquerda” que condena a corrupção da “direita”, mas fecha os olhos quando se trata de seus pares, apegada ao mantra idiota do “nós” (pobres) contra “eles” (ricos).
Dessa delação, saem desmoralizados os tribunais de contas do país e também os tribunais eleitorais. Não há um único político delatado que deixe de usar o argumento de que suas contas, tanto nas de sua eleição quanto nas de seu governo, foram aprovadas, como se isso certificasse sua honestidade. Dada a dimensão do escândalo e do número de políticos envolvidos nas denúncias, ou estes tribunais brincavam no cumprimento de seu papel, ou eram coniventes com a farsa montada, como ocorreu com o Tribunal de Contas do Rio de Janeiro. O fato é que os mesmos, para deixarem de funcionar como meros órgãos avalistas e homologatórios desses desvios, que ocorrem nas sombras do poder, mesmo desconhecendo-os, terão de se reinventar para exercer o papel de fiscalização para o qual existem e que drena parcela apreciável de recursos da sociedade.
No campo econômico, a situação não é muito diferente. Muitas leis, hoje se sabe, vendidas pelas autoridades econômicas e pela burocracia estatal como essenciais para o desenvolvimento do país, foram aprovadas simplesmente para atender os interesses da Odebrecht e de outras empresas, com pagamentos mirabolantes, para contar com o voto de políticos iminentes. Com isso, toda a legislação do país, especialmente as do campo tributário, se encontra sob suspeita, ao mesmo tempo que a delação também nos informa sobre a razão das fortes resistências que surgem no Congresso quando se trata de reduzir incentivos fiscais e subsídios econômicos para as empresas ou para puni-las com multas tributárias.
Na área fiscal, na qual o atual governo tem depositado todas as suas fichas, iludido pela crença neoliberal de que a solução do desequilíbrio das contas públicas representa o passaporte para o paraíso, muita coisa teria de ser revisada para se saber, de fato, qual a sua situação real, dado o volume nada desprezível de recursos públicos que foi desviado para a corrupção. Assim, se no cálculo dessas contas incluirmos a variável “ladroagem” (que designaremos como L nos cálculos a seguir), provavelmente chegaríamos a resultados bem diferentes dos que hoje são divulgados e que justificam os ajustes fiscais esquizofrênicos propostos pelo governo.
Neste caso, o cálculo do Resultado Primário (RP) passaria para RP = R – (D – L), onde R significa Receita e D, despesa, mas líquida da ladroagem (L). Nos anos em que o país foi superavitário em suas contas primárias, de 1998 a 2013, este superávit aumentaria e, nos anos em que foi deficitário, de 2014 a 2016, o déficit diminuiria. O mesmo raciocínio vale para o Resultado Nominal (RN), cujo cálculo, englobando também os encargos financeiros da dívida (Juros nominais) passaria para RN = R – (D – L) + Juros. Dependendo do que se obtiver com este novo cálculo, a política fiscal poderia ter tido outro enredo.
Para o produto nacional bruto (o PIB), as perdas são incalculáveis. Não pela origem da recessão em si, mais explicada por uma gestão incompetente de política econômica, mas pela paralisia que tomou conta das empresas envolvidas neste processo, que se arrasta há mais de dois anos, pelo desemprego que isso provocou, pela influência exercida sobre os níveis de investimentos e pelo descrédito do país nos cenários nacional e internacional, situação que exigirá alguns anos para ser revertida.
Enquanto isso, reformas de fato essenciais para o país, a exemplo da reforma tributária, permanecem adormecidas tanto no Executivo como no Legislativo, sempre sob o argumento de que geram conflitos federativos inconciliáveis, como se à espera de uma ordem, acompanhada de um numerário, da Odebrecht para serem realizadas. Para mim, não restam dúvidas de que se essa empresa tivesse se empenhado em sua realização, tal como fez para os seus próprios projeto, essa reforma há muito já estaria aprovada. E depois ainda criticam De Gaulle por ter dito não ser este um país sério. Por acaso, é?
Economia
Fabrício Augusto de Oliveira
Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, articulista de Debates em Rede e O Beltrano, e autor, entre outros, do livro “Política econômica, estagnação e crise mundial: Brasil, 1980-2010”.