ACUADO
Por João Gualberto Jr.

É impossível mensurar a magnitude de um furacão e seus estragos quando se está no meio dele, ou, de outra forma, inviável prever como a história escrita registrará estes dias. Mas que eles são históricos, disso não resta dúvida. A tormenta desfila às nossas vistas.
O “fim do mundo” não acabou com as delações da Odebrecht, que ganharam esta alcunha. Os depoimentos dos donos do frigorífico JBS e os conteúdos das conversas gravadas por eles são bombásticos. Em áudio, o “presidente” Michel Temer avalizou que o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha continuasse sendo pago pela empresa para que nada sobre as mutretas dele respingasse no “chefe de Estado”. Muito se disse, nesta quarta (17) à noite, quando “O Globo” publicou o teor da gravação, que o governo Temer tinha chegado ao fim. Motivo para isso tem. Não são delações, palavras ao vento, “verba volant”, são gravações, a voz do homem está lá, registrada: “tem que manter isso, viu?”, chancelou Temer para que fossem mantidas as mesadas ao ex-presidente da Câmara e capitão do time do impeachment às custas dos irmãos Joesley e Wesley Batista.
Temer vai cair? Vai renunciar ou será impeachmado, como a cabeça da chapa por que foi eleito em 2014? Teremos eleições diretas, como clamaram os “trending topics” do Twitter? Está aberta a banca de apostas.
Primeiro, independentemente de campos de posição partidária, não convém comemorar, tal como não há razão para silenciar. Desde junho de 2013, a política brasileira virou um festival grotesco, e isso dentro das arenas institucionais. E não para. O preço social que esta temporada marcha a ré já cobra e seguirá cobrando também é imensurável, prejuízo a ser revertido em políticas públicas menores e piores.
Abdicar-se de protestar e reivindicar não é possível, esse o segundo ponto. A pressão sobre “o presidente” e equipe pode ser insuportável. A oposição já registrou pedido de impeachment e reivindica eleições diretas já neste ano. Mas aguardemos o tom dos jornalões, o termômetro. “O Globo” ter se permitido furar e publicar o “beefgate” já é sintomático. E, no susto da noite do agito, um portal deu, todos dão. Aguardemos os próximos dias.
O terceiro ponto é este: Temer não passa de um mordomo de luxo. Sua ascensão via golpe parlamentar foi financiado para tocar o que vem tocando segundo o arranjo de que não é autor. Vem seguindo a cartilha à risca e a toque de caixa por saber, exatamente, da perecibilidade de sua condição. Se a grande imprensa seguir jogando lama nas páginas políticas, estará sacramentado o quadro terminal do mordomo: laranja que já deu o sumo que tinha que dar.
Como Temer não governa, jamais governou, mas é governado, a agenda que até agora encampa sobreviverá à sua iminente queda. Daí, os autores dessa agenda, ou seja, a aristocracia produtiva e rentista do Brasil, precisará apenas de outro emissário. Lembremos que a reforma da Previdência está sendo mutilada na Câmara e só toma pedrada da opinião pública, enquanto a Trabalhista ainda tramita no Senado. Os “donos do país” ainda precisam do Parlamento, portanto, para sacramentar seu programa de retrocesso classista. E é daquelas câmaras de meretrício que poderá nascer o arremedo de solução para o atual estágio da crise. Eis o quarto tópico.
O clamor desesperado a ser vendido pelos jornais e pela TV vai suscitar a urgência de uma saída. A opção mais rápida e conveniente aos interesses de quem financia a grande tribuna é: renúncia com eleição indireta pelo Congresso, a mesma alternativa legal no caso de, atualmente, uma cassação de chapa pela Justiça Eleitoral. E esta, no começo de junho, poderá ser a “melhor saída” com a chancela pró-forma do Judiciário.
As hipóteses de descarte mais provável são: a) Temer ser mantido representa um incêndio grande demais para ser apagado com as forças de que se dispõe; b) impeachment demandaria tempo demais, como vimos no ano passado, e este “governo” esquálido não tem saúde para aguentar sangria tão lenta, cairia antes; e c) a convocação de eleições diretas necessitaria da aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que tem tramitação também muito demorada e requer maiorias qualificadas – o que definitivamente não se vê e não se encontra na Legislatura atual.
A gravidade do problema não é conjuntural, mas estrutural. Está nas interfaces entre as esferas de poder, o político e o econômico, urdidas nas estruturas das instituições legais, que, por sua vez e por tautologia, foram arquitetadas para tais cometimentos incestuosos. Os senhores e senhoras parlamentares vêm dando, na atual temporada de crise sistêmica, demonstrações cabais de autismo e alienação perante a opinião pública, cuja linguagem não entendem, não consideram. Gilmar Mendes? Nelson Jobim? Cármem Lúcia? Henrique Meirelles? FHC III, a missão? De nomes assim, vetustos e ungidos, surgirá o apaziguador geral da nação caso Temer caia. E se renunciar, saibamos, todo esse jogo já terá sido acertado.
Como a população vai reagir na possibilidade de não apitar na escolha do substituto? Independentemente, serão reações reprimidas.
E o Aécio, príncipe das alterosas? Também flagrado em gravação pedindo dinheiro à JBS, fala em matar, usa palavrão. Difícil ver futuro político no senador e presidente do PSDB que, hoje, encarna a mais ornada máscara de hipocrisia da política brasileira a considerar suas posturas de candidato derrotado em 2014. Pobre Tancredo. Muda, Brasil!… mas aguardemos as próximas horas.
Em tempo, Temer e Aécio negam que tenham dito o que foi gravado que disseram.
Política
João Gualberto Jr.
João Gualberto Jr. é jornalista, economista e cientista político.