Montadoras vendem gato por lebre
Por Homero Gottardello

Ninguém tem dúvida de que o brasileiro é apaixonado por automóveis. Na verdade, o brasileiro nutre um amor platônico por automóveis, daqueles que se situam entre a pureza e o erotismo, em que o desejo de realização se funde, paradoxalmente, com a vaidade e o narcisismo.
O zero-quilômetro tem um poder de afirmação para o brasileiro que não se vê em nenhum outro lugar do mundo. O cara se sente mais homem dentro de um carro novo. E até as mulheres, que há bem pouco tempo eram imunes a este tipo de afetação, hoje se sentem mais empoderadas a bordo de um SUV – esses jipinhos que não podem ver poeira, quanto mais rodar em estrada de terra.
Mas como não existe mundo produto capaz de agregar ao caráter humano atributos que não estejam contidos no próprio espírito da pessoa, estão todos sendo passados para trás.
Quer saber como?
Nos últimos cinco anos, as vendas nacionais de veículos novos caíram 39,5%. Para recompor as margens de lucro, a indústria automotiva vêm inflacionando os preços dos zero-quilometros, repassando para o irrefletido consumidor a conta de suas perdas. Como o amor cega, quase ninguém percebeu que os aumentos subsequentes reposicionaram os modelos compactos para o mesmo patamar que os médios ocupavam, em 2012.
Isso fica para lá de evidente quando pegamos um Chevrolet Cobalt como exemplo. Nos últimos 60 meses, o preço da versão LTZ – a mais cara da linha – saltou de R$ 43.985 para R$ 64.400. Esse é o valor de um Cruze LT naquela época. Ou seja, as montadoras já estão vendendo gato por lebre!
Quer outro exemplo?
O Uno Vivace custava R$ 25.930, em 2012. Hoje, a versão Drive – a mais em conta do popular – parte de astronômicos R$ 43.620. Valor que supera em mais de R$ 5.000 o que um Punto Attractive 1.4 custava há cinco anos.
Enquanto o Cobalt, da Chevrolet, subiu mais de 46% no período, o Uninho encareceu absurdos 68%. Mas nem mesmo a queda de 83% nas vendas vendas do carrinho serviu de alerta para os executivos da Fiat de que sua estratégia comercial está, para dizer pouco, contrariando a lógica econômica da oferta e procura.
Para quem não conhece essa máxima do liberalismo, trata-se da lei econômica que determina que são os consumidores impõem valor aos produtos. Isso por uma equação bastante simples: quando a oferta é superior à demanda, os preços caem; e quando esta é menor que a procura, os preços tenderiam a subir.
Trata-se de uma equação simples. Simples e velha. Adam Smith (1723-1790), em “A Riqueza das Nações”, publicado em 1776, e Alfred Marshall (1842-1924), em “Princípios da Economia”, publicado em 1890, já tratavam dessa lógica milagrosa de mercado. A verdade é que, em termos gerais, a regra funciona assim mesmo, no mundo inteiro. Mas em terras tupiniquins, de ordenação pré-capitalista, a coisa é subvertida.
Aqui, é o tolo do consumidor, aquele que segue comprando mesmo diante de um inflacionamento injustificado, quem cobre o buraco no faturamento das marcas. E estamos falando de gente dita inteligente e bem-informada, que cai na lábia e sustenta o absurdo.
Apenas para efeito comparativo, um Toyota Corolla custava US$ 16.960 nos Estados Unidos em 2012. Hoje, o sedã parte de US$ 18.500 na terra do Tio Sam. Ou seja, com a mudança de geração e o implemento de dezenas de avanços técnicos, o valor sugerido do Corolla subiu 9% no mercado norte-americano em cinco anos. Aqui, no mesmíssimo período, o preço do carro subiu de R$ 70.570 para R$ 93.440, na versão GLI, aumento de 32,5%.
Está claro que os fabricantes adotaram, descaradamente, o expediente de vender gato por lebre em todas as gamas de produtos. E, isso, sem que ninguém, absolutamente ninguém, fale nada.
A imprensa especializada, que teoricamente tinha a obrigação de alertar o público para essa exploração neocolonialista, é, na verdade, parceira da indústria. São cevados pelas marcas com jantares mequetrefes, hospedagens de meia-pensão em hotéis de certo luxo e viagens internacionais em classe econômica. Em troca, publicam aquilo que as montadoras ditam, causando prejuízos inclusive para seus patrões, que deixam de faturar com publicidade, na medida em que seus repórteres e editores trocam o espaço editorial que não lhes pertence por migalhas.
O triste é que você, caro leitor, seguirá dando crédito a estes pandilhas e pagando preços astronômicos pelos piores e mais caros automóveis de todo o mundo. Afinal, seu “id” é irracional, egoísta, ilógico, não possui discernimento ou ponderação. Você é movido pelo prazer; só não sabe que o júbilo do seu deleite é, ao mesmo tempo, a fortuna dos patifes e a falência da sua emancipação.
Veículos
Homero Gottardello
Jornalista especializado na área automotiva, com mais de 20 anos de experiência na cobertura do setor.