Se você comprou um SUV, foi enganado
Por Homero Gottardello

Os utilitários-esportivos (SUVs) são a coqueluche do mercado automotivo em nível global. Para quem não sabe, a indústria enfrenta uma crise mundial, bem diferente desta que se instalou no Brasil, mas igualmente preocupante. Nos mercados mais qualificados, principalmente na Europa e Japão, o interesse por automóveis anda em baixa. Como o espaço nos grandes centros urbanos está cada vez mais caro e disputado, os jovens não veem mais sentido em pagar caro por um bem que, na ponta do lápis, é um passivo, uma fonte de despesas sem fim. Como nestes mercados a concorrência é acirradíssima, as montadoras chegaram em uma encruzilhada: de um lado, não podem aumentar os preços, porque os consumidores têm pavor a reajustes e, de outro, têm que remunerar seus acionistas a contento, para que eles não debandem para outros setores.
Hoje, nenhum fabricante paga dividendos maiores do que 5% ao ano, enquanto a Johnson&Johnson remunera seus acionistas, anualmente, sempre em dois dígitos. Em outras palavras, investir em esparadrapo é melhor do que aplicar dinheiro em automóveis. Mas os custos do setor automotivo não param de subir e, pelo menos por enquanto, a indústria vem combinando duas soluções para se manter no azul: enquanto economiza em todos os pontos que o olho do consumidor não enxerga, isso em nível global, ela inflaciona seus preços nos mercados emergentes, onde o subdesenvolvimento espiritual ainda produz pessoas apaixonadas por carros – fico imaginando alguém apaixonado por um garfo, uma colher ou um cadeado. Mas vamos em frente.
Bom, é aí que os SUVs ganham importância, afinal, eles são muito mais rentáveis para as montadoras. É por isso, e só por isso, que os “jipinhos” foram eleitos pelos próprios fabricantes – e não por você, coitadinho – como a bola da vez: as margens de lucro destes modelos são de três a cinco vezes maiores que as de um compacto ou médio-compacto. É por isso que testemunhamos uma verdadeira avalanche de lançamentos neste nicho, para compensar as perdas em função da falência do negócio automotivo. Exemplificando: na ponta do lápis, a cada unidade vendida do 2008 (a partir de R$ 72.990), a Peugeot ganha três vezes mais do que se vendesse um 208 (a partir de R$ 52.290), já que a diferença de custo de produção entre eles não chega a 20%, ou R$ 7 mil. A rentabilidade da montadora com a venda de 10 mil unidades do 2008 é a mesma ou maior do que com a venda de 30 mil unidades do 208.
Até bem pouco, os SUVs eram trambolhos que só despertavam paixões em fazendeiros, trilheiros ou gente que realmente precisava de um veículo com capacitação para uso fora de estrada. Nos últimos 15 anos, eles perderam a tração integral, trocaram a construção mais robusta pelo mesmo monobloco usado pelos populares, perderam massa e espaço para se tornarem meros citadinos. Ou seja, as virtudes que os motoristas comuns aspiravam, que eram o vigor e a valentia dos verdadeiros utilitários-esportivos, foram preservadas apenas na imagem desta nova geração de jipinhos. A aura mítica dos antigos Land Rover, que tinha fama de indestrutíveis, bem com a confiabilidade de um Toyota Bandeirante, serviram para agregar valor a uma nova linha de produtos que, na prática, é um lixo.
Lixo, sim!
Sabe quando o vendedor convence sua esposa, no salão reluzente da concessionária, de que aquele SUV é sinônimo de maior segurança para ela e seus filhos? Bom, ele está mentido, está tapeando vocês.
Na verdade, os utilitários-esportivos podem até dar a falsa ideia de que, dali de cima, de uma posição mais alta de dirigir, seu condutor tem melhor visibilidade. Pode até ter, mas o ladrão também tem. Ele vê sua mulher lá dentro, de longe, vê seus filhos no banco traseiro e, como seu “trabalho” requer uma atuação rápida e certeira, não tenha dúvidas de que dará preferência para o alvo mais fácil. É como diz o ditado: “prego que destaca é o primeiro a tomar marretada”. Da mesmíssima forma, um veículo mais alto é mais instável, seja nas curvas ou durante as frenagens. E lamento informar que as suspensões dos jipinhos não têm, necessariamente, maior curso em relação aos compactos e médios-compactos. Só têm maior distância livre do solo, o que só traz benefício para quem atravessa trechos alagados.
Quem tem uma porcaria dessas já deve ter reparado que o seguro também é mais caro e o consumo de combustível, maior que o de um sedã ou hatchback. E enquanto os SUVs originais tinham o perfil de uma perua, com quatro colunas e grandes bagageiros, o porta-malas de um Nissan Kicks, por exemplo, beira a insuficiência.
É claro que em um país onde as pessoas se orgulham em dizer que amam seus automóveis e que odeiam seus semelhantes que, porventura, não tenham a mesma orientação política, o leitor vai encontrar ferrenhos defensores dos SUVs. Antes de consultar um deles, afinal todo mundo tem pelo menos um amigo ou parente débil mental, eu faço um exercício de futurologia: aposto que os argumentos que ele vai usar para defender sua “crença”, que obviamente será a antítese deste texto, serão idênticos aos daquele – lembra dele?!? – vendedor da concessionária. A única diferença entre os conselhos da dupla é que o funcionário da revenda é pago para convencer os clientes, enquanto o advogado dos jipinhos o faz por pura estupidez ou, na melhor das hipóteses, por provincianismo mesmo.
Então, se você ainda não caiu no conto do vigário, dá tempo de dar uma banana para quem quer, apenas e tão somente, te passar para trás.
Veículos
Homero Gottardello
Jornalista especializado na área automotiva, com mais de 20 anos de experiência na cobertura do setor