Mourão, o general da boquinha
Longe de defender uma nova “redentora”, o militar se humilha e pede mesquinharias
Por Homero Gottardello

Quase ninguém se deu conta, mas o que está por trás das declarações do general Antônio Hamilton Martins Mourão não é, nem de longe, amor à pátria. Muito menos preocupação com o despotismo da classe política, a corrupção endêmica e a impunidade que os blinda.
O que Mourão quer é garantir que a proposta da Reforma da Previdência dos militares, que ainda não foi encaminhada ao Congresso Nacional, não traga prejuízos para sua aposentadoria – até porque ele já soma 45 anos de serviço.
O general passa longe de estar preocupado com o povo, com os desfavorecidos, com aqueles para quem Victor Hugo escreveu “Os Miseráveis”. Menos ainda com a ética e os valores morais pátrios. Ele está preocupado, única e exclusivamente, com seu bem-estar e o de seus pares. E não é de hoje. Em fevereiro deste ano, o general publicou um manifesto no blog oficial do Exército Brasileiro defendendo a retirada dos militares do projeto de reforma previdenciária.
“As peculiaridades da carreira sempre levaram os militares a terem um tratamento diferenciado, o que não significa privilegiado. Os militares não usufruem de uma série de direitos do trabalhador em geral ou de um servidor público”, pontuou Mourão em seu texto. “Aos militares, não é permitido receber horas extras, adicional noturno, adicional de periculosidade, FGTS; ocupar cargos de direção e assessoramento superior (DAS) ou funções comissionadas ou gratificadas”.
Quem serviu às Forças Armadas sabe que o general diz meia verdade, mas o tom de ameaça usado na última semana, durante sua palestra Loja Maçônica Grande Oriente, em Brasília, tinha alvo diferente daquele que a maioria das pessoas enxergou.
A fala de Mourão ao Estadão, dois dias depois do polêmico episódio, não deixa dúvidas sobre isso: “Não é uma tomada de poder”, esclareceu. “Não existe nada disso no que eu disse, mas as pessoas interpretam as coisas cada uma de sua forma. Os grupos que pedem intervenção é que estão fazendo essa onda em torno desse assunto”.
No final do mês passado, o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, chamou atenção para as incoerências do sistema previdenciário brasileiro. “Alguns são beneficiados e são exatamente estes que mais resistem”, disse à Agência Estado.
Segundo Oliveira, os militares estão dispostos a discutir mudanças nas regras de suas aposentadorias, mas só se os salários forem majorados.
Humilhação
Para quem não sabe, o general Mourão perdeu o Comando Militar do Sul (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná) em 2015, e foi “rebaixado” – não perdendo nem a patente, nem o soldo – para a Secretaria de Economia e Finanças do Exército, justamente por ter, na época, feito críticas ao governo e à classe política. No posto atual, Mourão não tem comando sobre efetivo armado e é, apenas e tão somente, um oficial de burocracia. Mas é desta secretaria financeira que ele defende o seu lado:
“A União teria uma despesa anual adicional da ordem de, pelo menos, R$ 25 bilhões se tivesse que pagar os direitos (aos militares) que os demais trabalhadores e servidores públicos têm”, sustenta o general. “Somente com horas extras e adicionais noturnos, essa despesa alcançaria R$ 18,8 bilhões anuais, considerando apenas os serviços de escala de 24 horas, as manobras e os exercícios militares contínuos e os dias no mar, entre outros. Não estão computadas as horas que o militar fica após o expediente, até que a missão recebida seja cumprida”, conclui.
É óbvio que, ao defender os interesses de todo o efetivo permanente das Forças Armadas, o general obteve apoio da grande maioria de seus pares, até mesmo dos que não estão na ativa. “Em resposta a uma pergunta, colocada diante de uma plateia restrita, o general Mourão limitou-se a repetir, sem floreios, o que está previsto no texto constitucional”, postou o general da reserva Augusto Heleno que, há 13 anos, foi o primeiro comandante da Força de Paz no Haiti, em uma rede social.
Como o leitor mais esclarecido pode perceber, apesar da vocação para o serviço militar emoldurar o discurso do general Mourão, o que está por trás de sua manifestação não é o heroísmo, mas sim o interesse corporativo.
“O Brasil precisa de Forças Armadas capacitadas, remuneradas como uma carreira de Estado, motivadas e em condições de garantir a soberania do País e a manutenção para as futuras gerações de seu imenso território e de suas riquezas”, diz em seu manifesto.
Quando quis, mesmo, “salvar o país”, o alto comando militar não pensou duas vezes para atentar contra a vida de seus adversários e tomar o poder à força. Mas, desta vez e para decepção dos saudosistas, dos ultraconservadores e da “jecaria” facista, eles bradam, apenas por esmolas. E isso não é motivo para temeridade. É apenas auto-humilhação.