“Você pode nos salvar, você vai nos redimir”
Por João Gualberto Jr.

O fator Anastasia está para a eleição em Minas como o fator Lula está para a nacional, reservadas as proporções geopolíticas e biográficas, é claro. O cenário estadual ainda é nebuloso porque, como ocorre de quatro em quatro anos, está atrelado ao arranjo montado para a disputa presidencial. Como esta segue repleta de incertezas, a corrida para o Palácio da Liberdade, idem.
Uma candidatura presidencial de Lula, apesar da insistência dele e do PT, é cada dia mais improvável. Nesta semana, a rejeição da concessão de habeas corpuspreventivo pelo Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, foi mais uma flechada no sonho da volta à Presidência, já talhada à imagem de São Sebastião. Todos os tribunais estão de portas fechadas ao ex-presidente, e a tramitação que poderá levá-lo à prisão é relativa apenas à primeira de meia-dúzia de ações.
Ainda assim, ele segue liderando as pesquisas de voto com folga. É o mais popular dos pré-candidatos, sem dúvida, e uma “certeza certa” sobre sua condição, quando vier, será definidora: se dentro, o desenho de candidaturas e alianças é um; se fora, o quadro é outro.
Em Minas, se dá o mesmo a respeito de Antonio Anastasia. Uma nova candidatura do ex-governador clarearia muita coisa por aqui. O denominador comum entre a situação do senador tucano e a do petista condenado tem nome e sobrenome: Lava Jato. A sombra por trás do tucano segue enorme, mesmo que encolhida. Aécio Neves é um dos graúdos mais chamuscados pela operação político-jurídico-midiática, ainda que, institucionalmente, a sanha justiceira seja extremamente mais branda com o neto de Tancredo.
Estar na condição de Anastasia, hoje, deve ser bem desconfortável. Do “sim” dele dependem o futuro político de Aécio, a preservação da força do PSDB mineiro e o sucesso em Minas da muito provável candidatura presidencial de Geraldo Alckmin. Todas essas expectativas pousam sobre os ombros do senador, que se mantém firme como Lula, só que no “não”.
Em 2010, quando disputou o governo pela primeira vez depois de herdar a cadeira de seu padrinho, tive a oportunidade de entrevistá-lo no fim de semana anterior ao primeiro turno. Estávamos em Contagem, e ele acabara de chegar de (por exemplo) Juiz de Fora, depois de ter feito campanha em Uberlândia naquele mesmo sábado. Ainda em off, perguntei como estava, e ele reclamou do cansaço. Não precisava, estava na cara. Questionei quantas horas por noite estava dormindo: “três, no máximo”, contou. Vice, governador e senador, Anastasia, um homem técnico de bastidor, um gestor discreto, talvez pense que já tenha ido muitas milhas além do que almejava há uns 20 anos. Eleição é pesado demais! Outra? Pra quê? Por ele, não há razão, é possível que reflita.
Mas, e por seu criador e fiador? Desde que foi eleito pela primeira vez governador, em 2002, Aécio Neves é o elemento-chave de todas as eleições mineiras, incluindo as municipais. Seu espectro de alianças era composto por entre 10 e 15 partidos, sempre. Uma máquina de adesões e de captação de financiamento com a qual era muito difícil concorrer. Agora, enquanto Anastasia firma o pé em seu “não”, outras duas criaturas querem distância de Aécio e sua impopularidade cavada depois de aparecer em gravação negociando R$ 2 milhões com a JBS e insinuando que “mataria” o próprio primo, menino da mala, além de protagonizar outras historietas sujas.
Dinis Pinheiro (PP) e Marcio Lacerda (PSB) já estão em campanha para o governo há bem mais de um ano. Percorrem o estado inteiro conversando com prefeitos e empresários. Têm que aparecer para além da RMBH para ampliar o raio de influência. Pois, recentemente, os dois decidiram se entender. A possibilidade de comporem chapa pareceu plausível. Foi uma sinalização clara de que não querem e nem dependem mais de Aécio e do PSDB, que, nesse cenário, fosse aderindo a essa dupla de aliados de outros tempos ou rompendo, seria apequenado.
Outro pré-candidato importante que parece não estar disposto a aparecer na mesma foto com o senador é Rodrigo Pacheco, ainda no PMDB, mas negociando migração para o DEM. A situação dele é particularmente mais complexa, pois, se persistir na legenda de Temer e do vice-governador Toninho Andrade, tem chances mínimas de se lançar. Fosse no passado, Aécio resolveria a peleja, para o lado dele, evidentemente. Agora, “não, obrigado, prefiro me virar por minha conta”.
Dentro da bancada federal dos tucanos mineiros, tem deputado aflito, ameaçando desfiliação se o senador e ex-todo-poderoso não desembarcar primeiro. Já é certa que a influência nefasta do candidato derrotado por Dilma em 2014 é contagiosa, o que levará a uma redução na quantidade de cadeiras na Câmara, sete atualmente. Sem um palanque respeitável no qual aparecer e percorrer as mesorregiões, aí o cenário é de risco mesmo. Vai ser debandada geral, salve-se quem puder!
A preocupação do governador de São Paulo é a mesma. Minas é um estado definidor historicamente, e Aécio só não levou a parada há quatro anos porque não fez o dever de casa – entenda-se casa sendo Minas, não Ipanema. Alckmin necessita contar com um candidato a governador de peso em cuja campanha possa pegar carona. De preferência, do PSDB, em vista das sombras que cobrem o ninho mineiro. Em encontro com empresários nesta semana, em Nova Lima, o presidenciável tucano jogou toda a carga sobre Anastasia: “ele sabe que o candidato natural aqui em Minas Gerais é ele”. E é mesmo.
Aécio depende dele para tentar resgatar sua influência, ainda que no “backstage”; os deputados federais precisam dele para se salvar; e Alckmin conta com ele para viabilizar sua campanha por aqui. Só falta o octogenário FHC vir de Higienópolis de joelhos.
Com Anastasia candidato a governador, haveria espaço para Lacerda, Dinis ou Pacheco? Já Fernando Pimentel, com todas as suas dificuldades judiciais, fiscais e administrativas, seria empurrado para uma tentativa de reeleição. Nesse cenário, a sucessão em Minas repetiria a polarização entre petistas e tucanos, como se dá desde 2002.
Sem Anastasia, a tendência será de maior fragmentação e incertezas, mas, dentro do PSDB, certo mesmo será o definhamento, pari passu ao que acometer seu ex-comandante. Aguardemos, então, a mais impactante resposta: sim ou não?
Política
João Gualberto Jr.
Jornalista, economista e cientista político.