A RUA DA BAHIA TEM UM JEITO #3
Hoje é Leonardo Lichote que nos conta sobre suas impressões da Mostra Cantautores
Por Leonardo Lichote

Desde a primeira vez que vim à Mostra Cantautores (2013? 2012?), das coisas que mais me impressiona – a despeito de todas as lindezas que vi no seu palco, de Thiago Amud a Laura Catarina, de Pedro Carneiro a Zé Manoel, de Tim Bernardes a Tiganá Santana – é a escuta. O silêncio e a entrega da plateia – inigualável em shows de artistas jovens tocando canções próprias, a maioria delas desconhecida de quase todos ali – permite que brotem momentos que só naquele aqui-agora.
Rafa Castro, primeira atração desta quarta na Sala de Câmara do Cine Theatro Brasil, é um desses artistas cujo habitat é o silêncio. Suas harmonias, seu canto de cristal e a delicadeza com que toca nas teclas do piano pedem a escuta da Mostra – e nela se potencializam.
A música de Minas (Milton, Tiso, Horta ecoam ali) e as trilhas sonoras são as referências declaradas e certeiras. Ambiência. Curioso notar que, ao violão (“vou mostrar duas músicas como elas nasceram”), essas referências se dissolvem um tanto – e um folk de outras paragens de Minas e do mundo se insinue.

A angolana Aline Frazão, que o sucedeu no palco, carrega outras forças. Forças de mulher e africana, e sobretudo de mulher africana. Mas isso não a esgota. Sua canção é política e amorosa, popular e investigativa, provoca quadris e sinapses.No arpejo de seu violão enganosamente simples há mil claves ao mesmo tempo familiares e estranhas à alma brasileira. A forma como ela converte isso em canções profundamente locais e profundamente universais é reflexo de um corpo solto na ar, no mundo – como ela canta em certo momento, ao afirmar em cada cidade um amor, uma vivência.
Ao falar com a plateia sobre a situação atual do Brasil, com o cuidado de se declarar estrangeira, ela da chaves para a compreensão de seu olhar sobre as coisas e, consequentemente, sobre a música: “Tem muitas incertezas no ar, e algumas certezas. Mas acho que o silêncio pode ajudar, a música também”. Como ela cantou minutos depois, “é o silêncio que governa tudo”. Silêncio que a Mostra Cantautores – a plateia, Minas – sabiamente conhece.