Abuso no metrô
Aumento da tarifa restringe liberdade de locomoção e afeta orçamento dos mais pobres. Arrecadação da CBTU vai para caixa único do governo federal e manutenção de trens fica sem garantia
Por Petra Fantini

Em mais um golpe contra a mobilidade urbana, o direito à liberdade de locomoção e a economia doméstica das famílias mais pobres, a partir da próxima sexta-feira, 11 de maio, o metrô de Belo Horizonte passará a ser um dos mais caros do país, atrás apenas do Rio de Janeiro e São Paulo. Conforme anunciado pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), a tarifa será majorada em incríveis 88%, saltando de R$ 1,80 para R$ 3,40. O reajuste impactará o orçamento familiar dos 210 mil passageiros que usam o metrô todos os dias, a maior parte constituída por moradores de bairros periféricos e de baixa renda.
O Sindicato dos Empregados em Transportes Metroviários e Conexos de Minas Gerais (Sindimetro) entrou com recurso no Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) contra o reajuste, argumentando que “um aumento da ordem de 88,8% de uma só vez é justificativa suficiente” para sua invalidação. “Os reajustes salariais para a esmagadora maioria dos trabalhadores sequer teve a compensação da inflação do período”, afirma o Sindimetro por nota. Os próprios metroviários não conseguiram fechar o Acordo Coletivo do ano passado.
Segundo o Sindimetro, o percentual de reajuste foi estabelecido em função do corte no orçamento do metrô para 2018, de quase 60%, que passou de R$ 260 milhões para R$ 150 milhões. O sindicato também denuncia a perspectiva do governo de Michel Temer de transformar a CBTU em empresa federal – atualmente, ela é empresa de capital misto – , para em seguida privatizá-la “tal como está fazendo com os Correios”, diz a assessoria de imprensa do Sindicato.
A deputada estadual petista Marilia Campos (PT) também fez uma representação legal ao MPMG, pedindo uma Ação Civil Pública contra o reajuste. Ela e Rogério Correia, também do PT, se reunirão com o Procurador de Justiça Nedens Ulisses na tarde dessa quarta-feira (09/05). Representantes de movimentos sociais e do Sindimetro foram convidados para participar da reunião.
Marília entrou com outros dois requerimentos na Comissão de Participação Popular na tarde de ontem (08/05), pedindo que seja encaminhado pedido de providências à CBTU para que o aumento seja cancelado, “tendo em vista o percentual absurdo e a situação econômica do país”, diz a assessoria da deputada. Por fim, a parlamentar aprovou um requerimento de audiência pública para debater o tema.
Como será o aumento
Segundo a CBTU, o ajuste segue orientação do Ministério do Planejamento e do Conselho de Administração da Companhia (CONAD) “que aprovou a recuperação parcial das perdas inflacionárias”. Além de Belo Horizonte, terão tarifas aumentadas os metrôs de Recife (de R$ 1,60 para R$ 3,00), João Pessoa, Natal e Maceió (de R$ 0,50 para R$ 1,00). A CBTU creditou ao lapso temporal de 12 anos sem reajuste e à retração da receita para o aumento de 88% em BH.
Segundo a Companhia, a receita do serviço de transporte metroferroviário “não evoluiu de forma compatível com o aumento de seus custos, o que amplia a dependência da CBTU em relação aos recursos do Governo Federal”. A receita própria da CBTU, hoje, cobre apenas 22,7% dos custos da Companhia. Assim, 77,3% dos gastos é coberta com recursos da União.
Os trens da linha belo-horizontina tem apresentado constantes problemas de funcionamento, como luzes apagadas e paralisações. Questionada sobre manutenção e melhorias, a CBTU diz que todo o valor arrecadado com a nova tarifa será enviado para o caixa único do Governo Federal, cabendo a ele decidir sobre a futura aplicação dos recursos.
Usuários

O Beltrano conversou com alguns usuários do metrô que dependem do transporte para trabalho, estudo ou lazer. O sentimento geral era de surpresa e revolta com o percentual de reajuste. A auxiliar de limpeza Andreia Dolores Antunes Miranda, de 46 anos, sai todos os dias da estação Eldorado para a Central e se mostrou surpresa e preocupada. Andreia recebe vale transporte, com um desconto de 6% sobre seu salário, e está na expectativa de como a empresa vai reagir com o aumento da tarifa. Ela espera que a diferença seja custeada pelos patrões, pois não sabe o que fará se for obrigada a cobrir o aumento com o próprio salário.

O auxiliar de higienização Alisson Bruno Carneiro Pereira, 24, terá o valor do aumento coberto pelo vale transporte, mas afirma que seu lazer será prejudicado. Aos finais de semana, ele pega o metrô na estação São Gabriel para se divertir no Centro e paga também passagem de sua namorada. A partir do próximo fim de semana, ele passará a gastar R$ 13,60 com o transporte. Alisson mora em Santa Luzia e, portanto, fazer uso do Metrô é “quase inevitável”. Ele disse que esperava que a passagem pudesse ser reajustada, mas não concorda com o novo valor. “O problema é que não tem como fazer nada”, diz.

Três estudantes que passavam pela estação Central travavam discussão acalorada sobre o reajuste. Brenda Rafaela, de 21 anos, considera qualquer aumento “um absurdo”, considerando a qualidade precária do transporte. “Outro dia eu peguei o metrô na Waldomiro Lobo e ele estragou no Minas Shopping. Era o metrô novo, que eles lançaram para ser confortável, mas está pior do que o antigo”, afirma. Para ela, os assentos do novo trem são muito pequenos e constrangedores para pessoas obesas. Ela diz que o espaço para quem viaja em pé também diminuiu. Além disso, para ela a iniciativa da CBTU de colocar trens com oito vagões nos horários de pico é ineficiente, pois o tempo de espera entre viagens aumentou.
Ela e seus dois colegas, João Vitor Teixeira, 19; e Ana Flávia de Almeida, 33 anos, são estudantes em tempo integral de um curso profissionalizante e não usam vale transporte. Desta forma, o aumento afetará diretamente a renda das suas famílias. “Você deixará de comprar alguma coisa para a casa para poder colocar na passagem”, lamenta Brenda. E, essa ‘coisa’ pode ser, inclusive, comida. “O salário (mínimo) hoje está R$ 954 reais. Tira daí R$ 6,80 pelaida e a volta todos os dias. Você morre de fome, né? Não vai ter como pagar água, luz… só passagem”, diz Ana Flávia.

Maurinho José dos Santos e José Moutinho, por outro lado, possuem gratuidade para acessar o metrô. Ambos trabalham com montagem de móveis e estacionam seus carros próximo à estação Eldorado para pegar o trem e evitar pagar estacionamento n
o Centro da capital. Para eles, a passagem era barata demais, mas o reajuste foi muito abrupto. “Em São Paulo é R$ 4, só que lá o metrô realmente funciona, você vai para todos os lugares. Aqui o metrô é muito limitado”, diz Maurinho.