As contrapartidas da renegociação das dívidas dos estados
Por Fabrício Augusto de Oliveira
Aparentemente, os governos dos estados impuseram uma derrota acachapante ao governo federal no Congresso Nacional e conseguiram aprovar por um placar dilatado, 296 votos a favor e apenas 12 contra, a proposta de renegociação da dívida com a União, sem a inclusão de qualquer contrapartida em termos de ajuste de suas contas para terem acesso ao benefício nela previsto de ampliação do prazo de seu pagamento e de suspensão, por três anos, do pagamento de seus encargos, na forma de juros e amortizações.
Para os estados com maior dívida e em pior situação financeira, casos mais notórios do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro, a economia de recursos que tal medida pode propiciar é considerável. No caso específico de Minas, cuja dívida anda na casa de R$ 82 bilhões, com pagamento anual de encargos obrigatórios de cerca de R$ 6 bilhões, estes recursos podem, em tese, ser destinados para outras finalidades. Este é o caso, por exemplo, do acerto do pagamento do 13º salário do funcionalismo e do pagamento mais em dia de seu salário, pondo fim ao sistema de escalonamento atual. Ao mesmo tempo este estaria, também aparentemente, protegido das contrapartidas, antes constantes do projeto de proibição, por dez anos, do reajuste de seus salários, da suspensão de concursos públicos e de novas promoções, além do aumento da contribuição previdenciária para 14%. Não é bem assim.
Devido à suspensão do pagamento dos encargos da dívida ocorrida a partir de julho, quando teve início o atual projeto de renegociação, Minas Gerais desembolsou pouco mais de R$ 1 bilhão com estes encargos (não os R$ 6 bilhões estimados) e, nem por isso, conseguiu melhorar seus fluxos orçamentários e evitar o adiamento do pagamento de parte do 13º salário para 2017. Isso significa que o governo não disporá, no próximo ano, de um adicional de R$ 6 bilhões para cobrir seus compromissos com o funcionalismo em 2016, caso o projeto gere todos os ganhos projetados, mas de um valor expressivamente menor, limitando as demandas atuais do funcionalismo.
Além disso, a aprovação no Congresso da proposta não significa que dos estados que se candidatarem ao novo “regime de recuperação fiscal” não seja deles exigido, pelo governo federal, um plano de ações para reequilibrar suas contas, mesmo que este não conste da lei aprovada. Como afirmou o presidente Temer, “a questão da contrapartida, se está ou não na lei, não importa”. E ela, a contrapartida, deverá “estar bem alinhavada, caso contrário cria-se um problema para o Estado e um problema para a União”. Ou seja, apesar da aprovação da proposta no Congresso, os estados que se candidatarem ao regime de recuperação fiscal, não estarão isentos de promover ajustes convincentes em suas contas para terem acesso ao benefício. Neste sentido, a lei deve ser vista como inócua para os estados que dependerem de recorrer e de ingressar neste novo regime.
De qualquer forma, é inegável que, mesmo propiciando um “alívio” na gestão dos fluxos orçamentários, especialmente dos principais estados devedores, o problema estará sendo apenas transferido para o futuro e, mais especificamente, para os sucessores dos atuais governantes, quando o estoque da dívida se apresentará em nível bem mais preocupante. É o que ocorre quando a questão da disciplina fiscal é simplesmente ignorada pelos governantes, acostumados a contar com algum socorro, em um federalismo mal-ajambrado como o do Brasil, que pode em algum momento não chegar, especialmente em contextos em que não só o país, mas todos as esferas de governo estão praticamente em rota de insolvência, incluindo o governo federal. Por isso, antes de comemorações antecipadas e precipitadas, é mais conveniente se preparar para “tempos ainda mais difíceis”.
Economia
Fabrício Augusto de Oliveira
Doutor em Economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e autor, entre outros, do livro ‘Política Econômica, estagnação e crise mundial: Brasil 1980-2010’.