Minha música é minha arma ou ontem fui à missa


Por Rafael Mendonça

Para mim, que nunca tive o privilégio de ir à Jamaica ou Londres, a noite de ontem foi quando fiquei mais perto de um legítimo sound system jamaicano, porém inglês. O Channel One, que veio a BH pelas mãos da turma do DeSkaReggae, é o que de melhor poderia me proporcionar essa experiência.

O que é um sound system? É das mais perfeitas formas de se escutar música que se tem por aí. A ideia em si é algo que beira o paraíso. Um monte de caixas de som que te levam ao sublime, com um encaixe entre os graves e agudos que nos faz sair do chão. Aquela coisa toda que a gente vê em documentários por aí, mas que no final das contas só da para acreditar quando se experimenta. Quase sexo através da música.

O poder do som é verdadeiramente uma coisa apaixonante e aqueles papos de ritual são muito próximos da verdade. Celebração de se estar vivo, com aqueles graves batendo fundo. Com o devido tempero, então, é uma coisa de outro nível. No filme projetado antes das apresentações, um dos entrevistados fala, e depois de ontem só posso concordar, que é “o mais perto de uma experiência mística se pode chegar”.

Não apenas pelo som, mas pelas pessoas a volta e aquele sentimento de todo mundo querer algo bem parecido.

Mas, enfim, no começo da noite a turma do DeSkaReggae passou o filme ‘Minha Boca, minha arma’, do Leo Vidigal. Aprofundando o sound system, o filme é importante por mostrar essa cultura pouca difundida.

 

 

A reação das pessoas ao filme também foi curiosa. Não se pode negar que o filme deveria ter começado mais cedo. As informações sobre os entrevistados poderiam ser mais legíveis e a gente não teria que ficar virando a cabeça para ler. Isso foi danado, mas é detalhe. O Leo queria que o povo tivesse dançado mais durante a exibição… Eu já acho que os gritos e apupos da galera foram suficientes.

Aí entra o Yuga com um set arrebatador e pérolas inspiradoras para fazer a cama. Na sequência entrou mais um da trupe, que não tenho o prazer de conhecer, com um repertório mais roots e que fez o lance meio que virar uma mandinga danada, com todo mundo celebrando. E depois vieram as lendas.

O seletor Mikey Dread e o MC Ras Kayleb devem estar acostumados a fazer o que fazem. Levam seu som como forma de oração e com toda a experiência fazem como se fosse fácil. Composições próprias e de outros dão o tom e te levam para outro departamento. Os reverbs e ecos ainda soam por aqui…

Foram horas e horas deles mandando um som. Na verdade, devem ter sido duas, mas pareceu um ano. E tudo isso no melhor sentido da parada. O salão ficou em êxtase e não foram poucos os momentos em que parecia que nossos pés saiam do chão. Abençoado sejam os selectors e MCs desse negócio.

O aprendizado de ontem foi de vida. Aos amigos de SP, Brasília e Fortaleza, se liguem que os caras ainda passarão por aí.

Cultura e outras coisas

Rafael Mendonça

Jornalista, editor do site O Beltrano, editor da extinta revista ‘Graffiti 76% quadrinhos’, editor do Baderna Notícias e cuidador da própria vida.