O assassinato da Serra do Curral

Apesar da região ser tombada, empresa lavra minério de ferro livremente próximo ao Taquaril


Por Petra Fantini

Publicado em 12/06/2018

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A exploração irregular de minério na Granja Corumi, localizada na Serra do Curral, mobiliza movimentos sociais, pesquisadores e órgãos públicos de quatro municípios. Belo Horizonte, Raposos, Sabará e Nova Lima enviaram representantes a uma audiência pública realizada em 16 de maio na Câmara Municipal da capital e mobilizaram a região em um grande abraço simbólico ao redor do Pico Belo Horizonte no último domingo (10/06).

A Empresa de Mineração Pau Branco (Empabra) atua na região e é responsável pelo Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD) executado desde 2013. A atividade procura revegetar e revitalizar o local, que conviveu com exploração de minério de ferro por quatro décadas. Em contrapartida, a empresa conseguiu autorização para comercializar cerca de quatro milhões de toneladas do minério fino remanescente na área, em Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado em 2009.

Porém, ambientalistas e moradores próximos à Serra denunciam que a empresa tem explorado acima da quantia estabelecida, além de ter degradado mais a paisagem e estar expandindo a atuação para fora do perímetro estabelecido no plano. Em visita técnica realizada pela Comissão de Meio Ambiente e Política Urbana da Câmara Municipal em 2 de maio, na divisa entre o Parque das Mangabeiras e o Parque Estadual da Baleia, a equipe observou que o processo de licenciamento ambiental, que ainda não foi concluído, não concede autorização para a atividade naquele local e que o PRAD não estaria sendo cumprido integralmente.

Segundo relatório do arquiteto urbanista, doutor em geografia e professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG) Leandro de Aguiar e Souza, o Departamento Nacional de Produção Mineral concedeu à Empabra uma área equivalente a 12,50 hectares (https://goo.gl/JnhF9K), espaço largamente inferior aos 62,13 hectares atualmente impactados pela atividade minerária. Moradores presentes na audiência pública também contam que a poeira da mina tem adoecido habitantes de Raposos, chegando a ser encontrado minério em lanches das escolas.

O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) já exigiu o fim do trânsito de caminhões de minério pela MG-030 em 2015, mas quem vive na região diz que tráfego continua, aumentando o risco de acidentes na via. “Eles entraram para resolver o problema de impacto ambiental, continuaram a explorar com permissão precária, expandiram para outra região sem autorização e hoje tiram 480 caminhões de minério por dia. É um crime com medidas protelatórias feitas pelo MP”, disse o vereador Gilson Reis (PC do B).

Em 2018 é esse o visual da área (Foto:Leandro de Aguiar e Souza)

Outra complicação, também apontada no relatório de Leandro, sugere que a área degradada pela mineração envolveria dois concessionários, a própria Empabra e um segundo ator, denominado Navantino Alves. O PRAD celebrado em 2008, porém, coloca a responsabilidade de recuperação de área situada nas duas concessões distintas unicamente para a Empabra. Segundo o professor, este seria um indício de irregularidade pois, tendo havido exploração por uma única empresa nas duas áreas concedidas, seria obrigatória a atualização para um concessionário único junto ao então Departamento Nacional de Produção Mineral (atual Agência Nacional de Mineração).

Em sua apresentação, o Gerente de Relações Institucional e Comunicação da Empabra, Fernando Cláudio, garantiu que a mina não utiliza água, não faz o rebaixamento do lençol freático e nem tem barragem, portanto não intervém em recurso hídrico local. Um dos motivos da recuperação da área e implementação de drenagem seria justamente combater os casos de enchentes que acometiam o Taquaril na década de 90, explica o representante.

Por outro lado, Arthur Nicolato, da Associação dos Moradores do Bairro Cidade Jardim Taquaril (AMOJAT), afirma que é simplismo dizer que a atividade não afeta os recursos hídricos por não utilizar água diretamente em seu processo produtivo. “Quando eu removo as camadas de terreno que são responsáveis por abrigar esse líquido, abrigar a água, e as substituo por um buraco, evidentemente que eu interfiro no curso hídrico”, declara. Segundo ele, ausência de corpos d’água já é observada nos parques das Mangabeiras e da Baleia.

Arthur levou à audiência imagens que, de acordo com o militante, comprovam que a retirada de minério está acontecendo também fora do polígono de extração, em área destinada exclusivamente à recuperação ambiental. “Há fissuras no Parque da Baleia que vão levar a um desmoronamento e uma alteração ainda maior no perfil da Serra”, denuncia Arthur. Para ele, o que está acontecendo é uma manobra judiciosa para que a empresa consiga se desvencilhar do projeto de recuperação ambiental e se dedicar à comercialização dos minérios.

O próprio representante da Empabra conta que, a partir de um vistoria realizada em 2014 pelo MPMG, Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA) e Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) foi identificada na mina “uma operação que desvirtua do início daquela atividade de recuperação ambiental”. A empresa foi multada em 2015, tendo todas as suas atividades paralisadas, e o MPMG recomendou que o governo estadual assumisse o monitoramento da atividade.

E esse era o de 2014 (Foto: José Álvaro Teixeira)

Nesse período de paralisação a mineradora realizou um estudo de impacto ambiental e iniciou o processo de licenciamento ambiental junto ao estado, com a solicitação da Licença de Operação Corretiva (LOC). Enquanto documento não fosse emitido, a Empabra conseguiu autorização para continuar lavrando a área com a assinatura de outro TAC com o Ministério Público. Leandr considera que esta seria uma segunda irregularidade, pois o TAC “não poderia substituir a licença ambiental exigida junto à instância estadual”, diz seu relatório.

Segundo a assessoria de imprensa da Semad, o pedido da LOC encontra-se em análise técnica na Superintendência Regional de Meio Ambiente (Supram) Central Metropolitana, aguardando informações complementares solicitadas ao empreendedor. Fernando, porém, diz que a empresa já enviou os dados e aguarda a manifestação do estado.

Arthur também destacou durante a audiência que a Serra é tombada por lei federal e municipal. A Deliberação n.º 147/2003, da Secretaria Municipal da Coordenação de Política Urbana e Ambiental (CDPCM), determinou que “as áreas da Serra do Curral, objeto do presente tombamento, não estão sujeitas a novas autorizações para pesquisa ou lavra mineral”. Já a Semad afirmou que se trata de mina antiga, anterior ao tombamento. “À época do licenciamento no município, o empreendimento obteve as anuências do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA/MG)”, disse o órgão.

No atual processo de licenciamento corretivo foi solicitada a atualização dessas anuências, bem como a anuência das Unidades de Conservação que fazem limite à atividade minerária. O órgão estadual também afirmou que a Supram fará todas as fiscalizações necessárias para verificar as denúncias e subsidiar análise técnica do licenciamento.

Quanto à suposta invasão ao território do Parque da Baleia, a assessoria diz que a equipe da Infraestrutura de Dados Espaciais do Sisema (IDE-Sisema) analisou e elaborou relatório demonstrando que a atividade minerária ocorre na zona de amortecimento da unidade de conservação, mas não no seu interior.

Sobre a não representação estadual na audiência na Câmara, a Semad diz que irá abrir no futuro período para solicitação de realização de audiências públicas sobre o processo de licenciamento ambiental da Empabra, que fazem parte do rito.

Para Gilson Reis, agentes públicos nas esferas municipais e estadual “estão em processos de negociações não com a sociedade, mas com as mineradoras”. A equipe do vereador está fazendo um levantando o número de parlamentares e prefeitos da região metropolitana que são financiados pela indústria da mineração. A relação de promiscuidade entre financiamento de campanhas, as grandes empresas e políticos, continua o político, não tem compromisso com a cidade e precisam ser denunciados.

Histórico

A extração de minério de ferro e solo laterítico/canga na Serra do Curral para uso em pavimentação de vias se estendeu de 1950 até o início da década de 1990. A atividade ocorria sem controle ambiental, sem uma frente de lavra bem definida, e gerava, no centro da vala, uma grande pilha de minério fino que à época não tinha valor econômico. Assim, após demanda popular e conscientização do poder público, a Prefeitura de Belo Horizonte embargou a atividade minéria no local e declarou o tombamento histórico e ambiental da área.

Segundo descreve a SMMA de Belo Horizonte em ofício enviado à então vereadora Elaine Matosinhos (PTB) em setembro de 2016, com a interrupção abrupta a pilha de finos não foi retirada e começou a se desfazer pela ação das chuvas, assoreando a calha de drenagem. As áreas da Granja, despidas da vegetação nativa, sofreram processos erosivos, causaram a desestruturação do ecossistema local e o assoreamento a jusante.

O MPMG instaurou Inquérito Civil e durante anos tentou intermediar soluções possíveis que financiassem a recuperação da área. Em 2003, a Empabra propôs assumir a recuperação da área desde que pudesse comercializar o fino do minério de ferro retirado no processo.

O PRAD, apresentado pela empresa ao Conselho Municipal do Meio Ambiente (Comam), foi aprovado em dezembro de 2008. O documento prevê a que a Empabra faça a revegetação em toda área, o projeto da estrada para o escoamento do minério, a retirada do próprio minério da antiga Mina Fazenda Corumi e a terraplanagem para correção das erosões e desníveis topográficos acentuados.

Em março de 2009 um aditivo ao Termo de Transação Civil, celebrado entre Ministério Público, Empabra e SMMA em 2006, incluiu a possibilidade de retirada e comercialização do minério necessário ao retaludamento e reconformação da área. Em 2015, porém, percebeu-se que o PRAD era passível de licenciamento ambiental e, por estar em divisa de municípios, a competência da atividade seria do estado.

Projeto Taquaril

A mineração da Empabra vem na esteira de outro projeto, o bilionário Taquaril Mineração. O grupo é formado pela AVG Mineração, Cascavel Mineração e a construtora Cowan, responsável pelo Viaduto Guararapes que desabou em julho de 2014 e causou duas mortes.

O protocolo de intenções entre o grupo e o governo estadual foi assinado em novembro de 2010, e previa investimentos de R$ 3,85 bilhões entre 2014 e 2017 para a implementação de um complexo minerário na Serra de Taquaril. Após atrasos no início do empreendimento, em novembro de 2017 foi publicado no Diário do Executivo de Minas Gerais, no âmbito da Superintendência de Projetos Prioritários (Suppri) da Semad, um edital de convocação de audiência pública sobre o licenciamento da atividade.

A técnica do Copam Maria Viana de Freitas mostrou durante a audiência desta semana que o complexo terá três fases: de 18 meses, com a retirada de 1,5 milhões de toneladas de minério a seco; de nove anos, com a retirada de 50 milhões Ton e 15 milhões m³ de rejeito; e de 21 anos de duração, gerando 1,135 bilhão Ton e 335,5 milhões m³ de rejeitos. A segunda fase da mineração utilizará 300 mil litros de água por hora e terá um rejeitoduto de dois quilômetros de Nova Lima para Sabará. Para efeitos de comparação, os milhões de metros cúbicos de rejeitos da terceira fase do projeto equivalem a quase sete barragens do Fundão, que rompeu em Mariana em 2015.

Durante a visita técnica realizada no início do mês, Gilson Reis observou que foi feita uma passagem da região do Corumi para onde seria instalado o Projeto Taquaril. O vereador avalia que essa nova exploração acabaria com grande parte da água que abastece o município. “Vai destruir não só a parte ambiental mas também patrimônios, como o muro de pedras que divide Belo Horizonte e Nova Lima. Várias cachoeiras, nascentes, cursos d’água serão destruídos se aprovados os projetos naquela região”, declara.