Trabalhadores, Lula e o canal

No quarto dia da expedição, a disputa pelos bônus políticos da transposição do São Francisco


11/05/2017

Por Bruno Moreno

Às 10h me encontrei com Dona Lúcia na frente do restaurante dela. Fomos para o açude Poço da Cruz, que fica bem pertinho. Há dois anos ela não ia lá. Ao chegar, não escondeu a perplexidade e a tristeza por ver as águas tão baixas. Nunca na história desse reservatório se viu tanta terra.

“Meu pai trabalhou aqui, na obra. Eu lembro quando começou a sangrar. Foi uma beleza. A água ia lá longe”, relembra Lúcia.

Depois de dar uma volta no lago, compramos um peixe para almoçarmos na cidade. Aliás, ela comprou. Desta vez, Lúcia não me deixou pagar nada.

Ela esteve em Monteiro, na Paraíba, onde chega o canal leste da transposição. Foi no dia 19 de março, o mais agitado da história da cidade, quando Lula, Dilma e milhares de pessoas foram fazer a chamada “inauguração popular da obra”. Uma semana antes, o presidente Michel Temer (PMDB) tentou faturar em cima da obra de seus antecessores. Esteve no local para a chamada “inauguração oficial da obra”, mas foi alvo de vaias. A população foi mantida à distância e a cerimônia aconteceu dentro de uma tenda de lona branca, onde só tiveram assento membros das elites locais.

O motivo da visita a Monteiro, Lúcia tem na ponta da língua: “Nós sabemos de tudo o que está acontecendo. Mas nós somos trabalhadores. Trabalhador vota em trabalhador. Foi Lula quem trouxe a água”, diz.

Por todo canto que ando por aqui as pessoas estranham o fato de estar viajando sozinho. Não raro se surpreendem e pedem confirmação: “Mas você está indo mesmo só?” Eu respondo que sim, e sempre me recomendam tomar cuidado porque as rotas são perigosas, existem assaltos e violência. Normalmente, nas despedidas sempre há a expressão “Vá com Deus”, ou “Deus lhe acompanhe”. Sei que são expressões comuns, mas que aqui ganham novo significado, mais real.

Neste 21 de abril, o senhor Serapião, um aposentado de 88 anos, vizinho do canal leste da transposição, à beira da rodovia BR-232, no município de Sertânia (PE), foi o que mais me chamou a atenção. “Tome cuidado, meu filho. Tem muita gente ruim por aí. Não dá pra saber se vai ser seguro ou não. Não é possível saber quando que se vai topar com eles (os assaltantes)”.

Pouco antes, o filho dele, Édson José dos Santos, 40 anos, que trabalhou como carpinteiro e montador na obra da transposição, havia me alertado para a existência de dois atoleiros até o lugarejo de Maravilha, que era meu objetivo. Resolvi arriscar. Se estivessem intransponíveis, retornaria ao asfalto e pegaria outra rota. Mas a picape Toro é valente e consegui chegar até o reservatório de Salgueiro. Com o adiantado da hora, fui para Custódia (PE), onde pernoitei, e Maravilha ficou para o dia seguinte.

O curioso é que, apesar de ter ficado apreensivo às vezes, só conheci pessoas fantásticas. Umas mais acessíveis e generosas, outras mais acanhadas.

Os momentos que requeriam mais atenção foram aqueles em que, no percurso do canal, passei longos trechos sem encontrar alma viva. Digo, pessoa viva, porque o ar é preenchido por um constante tintilar de sininhos de bodes, cabras e vacas, trazidos pelos vento.

Ao mesmo tempo que queria encontrar as pessoas, há o receio de que não sejam criaturas de boas intenções. Nem tinha pensado nisso com tanta seriedade quando planejei a viagem. Claro que sempre há a hipótese de ser assaltado, mas não era um ponto muito importante. De tanto me alertarem, comecei, inconscientemente, a colocar isso em pauta.

No final das contas, tem dado tudo certo, e nesses momentos de solidão fico me perguntando se sou corajoso, meio doido ou se estou vacilando. O certo é que o trecho continua.