SONHO AMERICANO (Parte 1)

O Beltrano publicará, nesta semana, a série de matérias “Sonho Americano”, sobre imigrantes brasileiros ilegais nos Estados Unidos, da correspondente Clarissa Carvalhaes, de Nova York.


Foto: Gage Skidmore/Flickr

Por Clarissa Carvalhaes

Correspondente de O Beltrano em Nova York

NOVA YORK – Ele é contra os imigrantes em geral e os brasileiros imigrados em particular, mas o presidente republicano Donald Trump está negociando com a bancada democrata voltar atrás em sua decisão de encerrar o DACA (programa que protege 800 mil jovens estrangeiros da deportação), e também do projeto de construir um muro na fronteira com o México.

Logo que a perspectiva de captulação entrou para as manchetes dos principais jornais americanos, na última semana, Trump tratou de desmenti-la no Twitter. Apesar da negativa, é fato que voltar atrás nos dois temas controversos seria positivo para sua imagem pública, já que a queda de braço com oposição e a imprensa tem resultado em baixíssima popularidade.

A última pesquisa do Instituto Gallup mostra que, em seis meses de mandato, Trump tem apenas 36% de aprovação – a mais baixa registrada por um presidente em 70 anos.

E é por isso que o dia 30 de setembro é tão aguardado. A data é o prazo limite para o Senado liberar fundos para o governo federal erguer a muralha na fronteira com o México. Uma conta que o governo mexicano já disse que não pagará. E um projeto para o qual a oposição democrata se mostra contrariamente irredutível.

A princípio, especulava-se que Trump e aliados estariam tentando fazer do muro uma moeda de troca para extinguir o DACA. No entanto, após encontro com líderes democratas, Trump teria se convencido de que é melhor recuar nos dois casos – ainda que provisoriamente. É o que veremos no próximo dia 30.

Ilegais

Nos Estados Unidos, o número estimado de imigrantes sem autorização legal é impressionante. O governo norte-americano calcula o contingente em torno de 11 milhões de pessoas (o equivalente a população de Cuba), mas reconhece que não é possível apresentar dados exatos.

A Organização Internacional para as Migrações (OIM), das Nações Unidas, contabiliza que, destes, pelo menos seis milhões entraram no país com visto pelos aeroportos. Os demais cinco milhões entraram pelas fronteiras terrestres e marítimas. Entre os ilegais que vivem nos Estados Unidos, independentemente da porta de entrada, os brasileiros somam 1,4 milhões de pessoas, segundo dados de 2015, divulgados pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil.

Novamente segundo a OIM, apenas 6% dos imigrantes ilegais passaram pela fronteira dos Estados Unidos com o México. Mas não é o pequeno percentual que provoca espanto, e sim ao que essas pessoas têm se submetido para entrar no país, incluindo centenas de brasileiros.

Morte na fronteira

De janeiro a julho de 2017, em apenas sete meses, foram registados 232 mortes de migrantes na fronteira que separa o México dos Estados Unidos. É mais do que uma morte por dia, e 17% a mais do que o registrado no mesmo período de 2016.

Diariamente, mais e mais corpos são encontrados na fronteira. Alguns à beira do rio Bravo, outros abandonados ao largo dos trilhos de trens de carga conhecidos como “La Bestia”, ao longo de estradas desérticas ou amontoados em caminhões.

Casos de crianças desacompanhadas na fronteira também não param de chegar. São meninos e meninas solitários que não conseguem concluir a viagem, voltar para casa ou reencontrar os pais. São vítimas fragilizadas e suscetíveis ao recrutamento dos carteis de drogas e à exploração sexual.

Brasileiros

Em julho deste ano, dez imigrantes sem documentação morreram pelo calor, asfixiados, espremidos entre 200 pessoas num caminhão que cruzava San Antonio, no Texas, sul dos Estados Unidos. Na mesma semana, 178 imigrantes foram resgatados após terem sido abandonados em outro caminhão, dessa vez no estado de Veracruz, no leste do México.

E entre tantos trágicos números, somam-se as histórias de pelo menos quatro brasileiros que morreram neste ano tentando fazer a travessia pelo México. São todos oriundos de cidades mineiras. O último caso aconteceu em meados de agosto, quando Maicon Fernandes, de 24 anos, natural de Conselheiro Pena, não resistiu à travessia do deserto e morreu no Texas.

Antes dele, em junho, Lucas Passos, 30 anos, natural de Teófilo Otoni, também não resistiu a caminhada pelo deserto. Um mês antes, Fabrício Santos, 31 anos, de Guanhães, foi encontrado morto às margens do rio Bravo. Em maio, Sidney da Silva, de 39 anos, também de Conselheiro Pena, morreu na terceira tentativa de entrar ilegalmente nos Estados Unidos. A causa da morte ainda está sendo investigada.

Era Trump

Segundo o Departamento de Segurança Interna americano, no ano passado foram deportados 450.954 imigrantes sem documentos. Já nos primeiros 100 dias de governo Trump, o número de prisões de supostos imigrantes ilegais aumentou quase 40%.

Apesar da “caça aos ilegais”, prometida por Trump na campanha eleitoral, e que vem se concretizando a cada novo projeto aprovado, não existe queda no número daqueles que se arriscam a entrar no país mais rico do mundo por vias tortas, e que pagam caro por isso.

O custo médio da travessia pela fronteira do México varia entre US$ 10 mil e US$ 50 mil. Independentemente do valor, não há qualquer garantia da segurança na entrada. O dinheiro normalmente é pago em duas parcelas, a primeira antes do início da travessia, e a segunda logo após a chegada ao território americano.

Reportagem especial

Até sexta-feira, O Beltrano vai contar histórias de pessoas que passaram pelo horror da entrada ilegal e que vivem sem documentos nos Estados Unidos. Gente que deixou uma vida inteira no Brasil para recomeçar do zero em solo americano. Pessoas que foram em busca do dinheiro e das oportunidades que não encontraram no Brasil.

São, em sua maior parte, subempregados. E os americanos, mesmo aqueles apoiadores de Trump, sabem da importância dessa força de trabalho para a economia.

Amanhã, terça-feira (26/09), O Beltrano convida você a conhecer a história de Magda Coelho, mineira que decidiu atravessar a fronteira do México com o marido sem que suas famílias soubessem.